domingo, 16 de outubro de 2011

Cultura Japonesa! Entendendo o mundo das Gueixas


“Mundo de flores e salgueiros”,  karyukai, assim é chamada a sociedade das gueixas.


Muito se fala e se discute, principalmente no ocidente, sobre a figura e o papel da gueixa na sociedade japonesa. Na prática, poucos ocidentais, e mesmo japoneses, têm efetivamente contato com uma gueixa. Em público, elas só aparecem em poucas ocasiões, como no Jidai Matsuri (Festival das Eras), e na temporada de danças tradicionais Kamogawa Odori (Danças do Rio Kamo) que ocorrem em outubro, em Kyoto. Fora tais ocasiões, alguns sortudos turistas conseguem vê-las andando pelas ruas, nas raras ocasiões em que elas saem para ter aulas de dança, shamisen (cítara de três cordas tradicional) ikebana (arranjo floral), ou a caminho de um restaurante para entreter algum empresário ansioso em impressionar seus convidados. Ser servido ou entretido por uma gueixa, mesmo entre os japoneses, é privilégio de poucos.


O fascínio pelo assunto no ocidente começou através de artigos de jornais e da arte, do teatro e da literatura a partir da segunda metade do século XIX, quando o Japão passou a abrir seus portos às potências ocidentais, terminando um isolamento comercial e cultural que durou mais de 200 anos. As gravurasukiyo-e (retratos do mundo flutante) tornaram-se bastante populares e apreciadas na Europa, em especial por artistas plásticos na França. Vendidas em folhas avulsas ou até encadernadas na forma de um livro sanfonado, tais gravuras freqüentemente retratavam gueixas, havendo até artistas que se especializaram em desenhá-las, como Kiyonaga e Utamaro, formando um "estilo" dentro do ukiyo-e chamado de bijin-ga(desenho de mulher bela). Relatos de viajantes e correspondentes publicados em jornais de um Japão tão diferente e exótico eram lidos com grande curiosidade.

A ficção e diferenças culturais fizeram com que a idéia que o ocidente tem das gueixas seja distorcida, pouco correspondendo com a realidade. Muitos, principalmente os incultos, acham que uma gueixa nada mais é do que uma exótica prostituta de luxo - algo que choca os japoneses, que as consideram refinadas guardiãs das artes tradicionais. Para os japoneses, achar ou tratar uma gueixa como se ela fosse uma mera garota de programa é uma atitude que revela não só falta de critério, mas de cultura e "berço" de quem assim age. Na sociedade japonesa, a gueixa é objeto de admiração e respeito. Elas dão status aos lugares que vão e às pessoas com quem se relacionam - um status que é mais ligado à tradição que à moda.


Em 1904, o compositor italiano Giacomo Puccini criou a ópera "Madame Butterfly". Inspirada num caso verídico, a ópera conta a trágica história de uma gueixa, Cho-cho ("borboleta" em japonês), que se apaixona por Pinkerton, oficial americano em missão no Japão. Acreditando ser esposa de Pinkerton, ela tem um filho mestiço e passa a sofrer o preconceito dos japoneses. Ele é chamado de volta aos Estados Unidos, e acreditando nos democráticos valores com que seu amado descrevia o ocidente, Cho-cho aguarda seu regresso ao Japão na esperança de ir viver com ele e seu filho na América. Mas Pinkerton volta casado com uma americana e deixa Cho-cho, que acaba se matando. Até hoje extremamente popular, "Madame Butterfly" não apenas tornou Cho-cho a gueixa ficcional mais famosa do mundo, como também serviu de inspiração para filmes e outra peça de sucesso 80 anos depois: o musical "Miss Saigon", de Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg.

Quais mulheres de outras culturas poderiam comparar-se às gueixas*? Segundo a escritora e pesquisadora Liza Dalby, “há semelhanças entre elas e as kisaeng coreanas, ou as heteras da Grécia clássica, as femmes savantes francesas e as xiaoshu  da China imperial”, mas a gueixa é muito complexa e diversa, não se resume a uma simples comparação ou rótulo. Sem dúvida ela é considerada pelos próprios japoneses como “mais japonesa” do que qualquer outro grupo. *Nota sobre a grafia: gueixa ou gueisha, as duas formas são consideradas corretas.

A tradução da palavra gueixa é artista. Foi usada a princípio para designar músicos e atores que se apresentavam em eventos. Como atividade artística sempre foi erroneamente associada à prostituição a gueixa também sentiu essa injustiça.

É comum associá-la à prostituição, no entanto a diversão ao lado de uma gueixa nem sempre resulta em sexo. Sua principal função está em criar uma atmosfera agradável num ambiente de reunião, de festa, um encontro que os clientes solicitam. Elas dançam, tocam, servem bebida, conversam sobre temas variados e importantes e acima de tudo: guardam um segredo como ninguém mais. As gueixas não se destinam a entreter apenas homens, elas podem fazê-lo com mulheres e mesmo crianças.

No Japão feudal, época de escasso refinamento cultural, falta de informação e contato com o mundo, as gueixas também eram vistas como educadoras; essa era uma de suas muitas missões sociais. Pais levavam seus filhos às casas de chá, acima de tudo para que tivessem contato com o refinamento, com a cultura. O sexo viria em segundo plano e não obrigatório. Algumas podem ter um protetor – danna – que as manterá.

A convivência próxima entre gueixas e prostitutas fez surgir a necessidade de se definir quem era quem, por isso, em 1779 foram criados os kenban, cartórios destinados ao registro e fiscalização de gueixas. Diversas normas surgiram e lhes foram impostas como a obrigatoriedade do conhecimento das artes musicais, regras de etiqueta, maneira de falar, dança clássica, canto e  literatura, entre outros.

A aparência da gueixa também foi regulamentada, ela já não poderia usar quimonos muito chamativos, a discrição seria fundamental. As jóias de cabeça também deveriam seguir uma norma, não mais do que 3 kanzashis (palitos decorativos para cabelos) e apenas um pente de casco de tartaruga. O obi da gueixa deveria ser amarrado nas costas, o amarrado na frente seria usado pelas prostitutas, facilitando o ato de despir-se já que o faria diversas vezes ao dia.

O período de 1860 foi considerado a época de ouro para as gueixas, que se vestiam no rigor da moda e ditavam tendências. Hoje, já em número bastante reduzido,  elas são “guardiãs” da tradição.

Sem dúvida a força cultural que as envolve é grandiosa, mas não se pode negar que seus adornos são fundamentais para “compor” a figura da gueixa. Elas têm enfeites específicos para épocas do ano, como no verão, onde usam adornos de cabelo leves e sutilmente brilhantes.

Seu rosto branco é resultado da aplicação de um pó chamado haku. Uma possível origem desse costume vem do cotidiano de mulheres que juntavam lenha e faziam carvão, próximo ao rio que caminha para Osaka. Para receber clientes particulares, precisavam empoar o rosto que estava sempre manchado e escuro.

Nos cabelos são usadas as peças de adorno mais importantes, os pentes, que normalmente são de casco de tartaruga, alfinetes que podem ser de coral, opalas ou outro elemento, oskanzashis (palito/jóia) e adornos metálicos que se movimentam e brilham ao contato com a luz. Podem ser vistas também flores em sua cabeça, como a ameixeira.

Curiosos enfeites podem ser vistos também na cabeça, como arroz com casca e a figura de uma pomba de massa, sem olhos. Essa pomba tem um significado especial. Um homem pode pedir para desenhar os olhos na pomba, esse é um sinal de que a deseja como amante naquela noite.

A roupa é composta pelo quimono de cauda, sempre estampado, bordado e colorido porém discreto, e o obi na cintura. Ela costuma demorar horas para se arrumar e sempre com a ajuda de alguém. A pose de segurar a barra do quimono com a mão esquerda é típico de uma gueixa. Os tamancos costumam ser altos (12 a 20cm) e a área que tocam o chão corresponde à metade do comprimento dos pés, mas nem isso abala seus movimentos suaves e delicados.

Apesar da aparência frágil e delicada, a gueixa é antes de tudo uma mulher forte e determinada. Ao longo de décadas, vem enfrentando as mais variadas diversidades, porém sem perder o apreço pela tradição, pela cultura de seu país. Sem dúvida ela foi diretamente responsável por diversas mudanças no Japão, mas isso é tema para muitas matérias... Ficamos por aqui e aguardem os proximos posts.  

Confiram o trailler de uma das obras cinematográficas que mais se aproximou da realidade da vida de uma gueixa. O filme começa nos anos que antecedem à Segunda Guerra Mundial, quando uma criança japonesa chamada Chiyo é vendida pelo seu pai, pescador de uma vila de pescadores, para uma casa de gueixas. Ela ficaria destinada durante os primeiros anos às tarefas domésticas, conforme ditava a tradição. Cresce na dúvida e na esperança de encontrar a família, sem compreender o sentido da vida que agora levava, até que, por obra do destino, conhece acidentalmente um dos homens mais poderosos do Japão, por quem se apaixona imediatamente e, para lhe conseguir chegar, reconsidera o rumo da sua vida para se tornar uma gueixa de sucesso. Chiyo, que passaria a ser conhecida por Sayuri — o seu nome de gueixa — recebe a sua formação de uma das mais conceituadas gueixas do Japão, Mameha, rival de uma outra que vive na sua casa (okyia) e que, desde a sua chegada, lhe tem dificultado a vida.

2 comentários:

  1. Excelente fiquei com vontade de ver o filme, como pode um pais ter uma cultura tão bela e rica é realmente fascinante

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  2. Que artigo completo! Estou feliz por ter encontrado esse site, tenho um verdadeiro fascínio pela cultura japonesa!

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