De todas as artes tradicionais japonesas, talvez a mais conhecida e intensamente praticada nos dias de hoje seja a ikebana, a arte dos arranjos florais. Mesmo com uma origem que remonta a centenas de anos passados, ela mantém-se como elemento essencial no universo artístico contemporâneo. Transcendeu o seu espaço no tradicional altar da casa japonesa (tokonoma), para ingressar no dia-a-dia do mundo moderno. De maneira similar, a ikebana não é mais uma arte de domínio exclusivo de artistas ou ornamentadores japoneses, pois, entre seus entusiastas, estão criadores de arranjos profissionais e amadores de todas as nações e áreas de atividade. Esta nova dimensão acrescentada ao uso e significado da ikebana, não alterou de modo algum os conceitos básicos de estrutura, espaço e naturalismo desenvolvidos e aperfeiçoados através dos séculos.
A palavra ikebana é geralmente traduzida como "a arte japonesa de arranjo floral", mas os materiais de ikebana podem incluir galhos novos, parreiras, folhas, frutos, grama, bagas, sementes e flores, bem como plantas murchas e secas. De fato, pode ser usada qualquer substância natural e, na ikebana contemporânea, também se usa vidro, metal e plástico. Sendo uma das artes tradicionais do Japão, a ikebana desenvolveu uma linguagem simbólica e conceitos decorativos com o uso de flores e ramos efêmeros torna a dimensão de tempo uma parte integral da criação. A relação entre os materiais; o estilo do arranjo; o tamanho, forma, volume, textura e cor do recipiente; e o lugar e ocasião da exposição são todos fatores vitais e importantes. Com sua história de 500 anos, tem havido uma grande variedade de formas, desde modestas peças para decoração caseira, até trabalhos esculturais inovadores que podem ocupar todo um salão de exposição.
A par da enorme variedade da obra contemporânea, as formas tradicionais continuam a ser estudadas e criadas. Além disso, a prática de ikebana, também chamada kado, ou o Caminho das Flores, tem sido buscada como forma de meditação na passagem das estações, do tempo e da mudança. Suas origens religiosas e forte ligação com o ciclo natural do nascimento, crescimento, decadência e renascimento conferem a ikebana uma profunda ressonância espiritual.
A diversidade da paisagem natural do Japão e a maneira campesina de vida proporcionaram condições para o desenvolvimento da ikebana. Uma influência decisiva foi à introdução do Budismo, a partir da China no século VI e, com ele, o costume de oferecer flores (kuge) ao Buda e às almas dos mortos. A arte do arranjo floral começou a prosperar na época Muromachi. Havia uma tradição de arranjo de flores em vasos, mas agora as flores começavam a ser dispostas de modo a aumentar a apreciação dos vasos. Foi Ikenobo Senkei que introduziu o arranjo floral na sala de chá. Como era de se esperar, a decoração floral em sala de chá não devia produzir um efeito de beleza elegante, mas sim expressar pureza e simplicidade em um esforço para penetrar as profundezas da natureza.
A oferta tomou a forma de uma composição simples e simétrica de três hastes, mas, no século XVII, tinha evoluído para um estilo chamado rikka, literalmente "flores em pé", criado por monges budistas das escolas ikenobo. Esta forma elaborada de arte era feita em vasos altos de bronze e exigia um alto grau de habilidade técnica. O ramo principal, simbolizando o céu ou a verdade, era geralmente assimétrico, pendendo para a direita ou para a esquerda antes de sua parte superior retornar para o eixo vertical central. Muitos outros ramos, cada um com seu significado simbólico e função decorativa, emergiam de uma esfera imaginária central. Como um todo, uma obra de rikka era um microcosmo que representava todo o universo através da imagem de uma paisagem. As características principais - assimetria, simbolismo e profundidade de espaço -viriam a exercer uma forte influência nas tendências futuras.
Contrastando fortemente com rikka, a austera chabana, literalmente "flores de chá", teve origem como parte da cerimônia do chá (cha-no-yu), no século XVI. Composta de uma ou duas flores ou galhos num pequeno recipiente, chabana tornou-se a base de um estilo espontâneo denominado negeire, significando "arremessar em", que era feita num vaso alto com poucos materiais, e utilizava meios técnicos sutis para produzir uma evocação simples e poética de beleza natural. Rikka e negeire definem uma espécie de contraponto na história subseqüente da ikebana. Por um lado, havia uma ênfase na técnica elaborada, escala grande simbolismo e estilos fixos. Por outro lado, havia espontaneidade, simplicidade e respeito pelas características naturais dos próprios materiais. A tensão entre os dois conduziria a todas as inovações na arte.
O mundo natural do Japão sempre proporcionou belíssimas flores em todas as estações; sua beleza tem enfeitado a singela vida cotidiana das pessoas em todas as idades. Em certa época na vida do povo japonês, esta beleza chegou a ter significado espiritual. Durante o período Edo (1600-1869), o Japão gozou de paz interna e crescimento econômico estável. A ikebana, até então uma arte exclusiva dos monges budistas, membros da Corte e aristocracia, começou a ser praticada mais amplamente pelos samurais, comerciantes ricos e outros, inclusive mulheres. Durante esse período, o estilo rikka tornou-se rígido e formalizado, e aparece um estilo mais simples chamado seika ou shoka - ambos escritos com os mesmos caracteres chineses -, significando "flores vivas" e que ganhou cada vez mais popularidade. Embora ainda um tanto formal, o seika usava uma composição de três hastes, baseada num triângulo assimétrico ou escaleno. Muitas escolas novas promoviam suas próprias versões, mas os três ramos tornaram-se unanimemente conhecidos como: ten (céu), chi (terra) e fin (ser humano). As variações desta forma tornaram-se a base de todas as instruções de ikebana, mesmo nas escolas mais modernas.
Outro desenvolvimento importante durante este período foi o surgimento de arranjos inspirados na literatura (bunjin-bana), que refletiam a sensibilidade dos sábios e pintores chineses. Os arranjos bunjin-bana tiveram uma forte influência no estilo nageire, que havia se desenvolvido a partir da chabana. Uma vez que o bunjin-bana era praticado como uma forma de expressão pessoal, os arranjos tinham um caráter casual que era bastante diferente da austeridade da casa de chá, ou da formalidade do rikka ou seika. Além disso, as origens chinesas adicionaram uma nova riqueza de cor e variante literária.
A abertura do Japão para a influência ocidental a partir do início da era Meiji (1868-1912) trouxe grandes mudanças a todos os aspectos da vida nacional. Na ikebana, o estilo chamado moribana, literalmente "flores amontoadas", criado por Ohara Unshin (1861 -1916), fundador da escola Ohara, revolucionam completamente a arte. Enquanto que em todos os estilos tradicionais os materiais eram reunidos para emergir do recipiente num único ponto, Ohara usava várias espécies de suportes para arrumar plantas numa superfície expandida em recipientes ocos, chamados suiban (bacia de água). Este permitia a utilização de materiais novos importados que não podiam ser acomodados aos estilos antigos. Também permitia a criação de estilos de paisagem, shakei, que reproduziam cenas da natureza numa maneira simbólica. Outro inovador importante foi Adachi Choka (1887-1969), que adotou moribana e descreveu seu trabalho simplesmente como "decorativo".
As inovações continuaram com o aparecimento de muitas outras escolas modernas. Toshigahara Sofu (1900-1979), fundador da escola Sogetsu promoveu a ikebana como uma arte moderna que deveria encorajar a expressão livre e criativa. No período pós-guerra, trabalhos de vanguarda, ou zen'eibana, ampliou os poderes de expressão da ikebana, incorporando abordagens abstratas esculturais e surrealistas e aumentando a escala de trabalhos e variedade de materiais utilizados. Além disso, as escolas tradicionais como ikenobo, ao mesmo tempo em que mantinham seus estilos clássicos e criavam versões modernas de rikka e seika, acrescentaram abordagens mais recentes, inclusive moribana aos seus currículos. O cenário contemporâneo é dominado por três grandes escolas: Ikenobo, Ohara e Sogetsu, cada uma com cerca de um milhão de membros. Apesar disso, há também várias outras escolas grandes e pequenas. As escolas mais importantes estabeleceram filiais e grupos de estudo em todo o mundo, e a Ikebana Internacional, uma organização que representa muitas escolas, foi fundada em Tokyo, em 1956, e promove a arte em escala global.
Em contraste com a forma decorativa de arranjos florais que prevalece nos países ocidentais, o arranjo floral japonês cria uma harmonia de construção linear, ritmo e cor. Enquanto que os ocidentais tendem a pôr ênfase na quantidade e no colorido das cores, dedicando a maior parte da sua atenção à beleza das corolas, os japoneses enfatizam os aspectos lineares do arranjo. A arte foi desenvolvida de modo a incluir o vaso, caules, folhas e ramos, além das flores. A estrutura de um arranjo floral japonês está baseada em três pontos principais que simbolizam o céu, a terra e a humanidade, embora outras estruturas sejam adaptadas em função do estilo e da escola.
Dentro do arranjo deve sempre existir 3 elementos considerados essenciais: Sin, Soe e Tai. Temos aí a trindade existente em vários cultos religiosos, ou simplesmente: O Céu, o Homem e a Terra. Além disso, os espaços vazios são importantes, pois representam o silêncio. É preciso ter o cuidado de não colocar 4 flores diferentes, pois no Japão este número é considerado negativo (o ideograma que representa o número 4 e o que representa a morte têm a mesma pronúncia).
O mais importante do Ikebana sem dúvida é a harmonia. O arranjo deve estar em sintonia com o ambiente, e com as características pessoais de seu autor. Segundo os mestres, o Ikebana possui também qualidades terapêuticas, pois harmoniza e embeleza ambientes. Sua presença pode ajudar na cura de enfermidades ou situações conflituosas. Por causa disso eles são requisitados em ambientes terapêuticos, de medicina tradicional ou alternativa, entre outros.
Os estilos de ikebana são: Ikenobo, que é o mais antigo, e são arranjos com devoção aos deus, e são decorados com galhos, Sogetsu, que é um dos estilos mais novos, onde até mesmo a Rainha Elizabeth II e a Princesa Diana frequentaram escolas para aprender essa técnica, e o estilo Ohara, que é uma montagem de galhos e flores quase que empilhados.
A ikebana continua a ser praticada por muitas pessoas comuns não filiadas a escolas específicas e é parte íntima da vida diária no Japão. Arranjos decoram as casas ao longo de todo o ano e materiais específicos são associados a ocasiões e festivais especiais. O pinho de folha perene, simbolizando a eternidade, é o material preferido para o Ano Novo e é tradicionalmente acompanhado por bambu, de grande flexibilidade, e por ramos floridos de damasco. No dia 3 de março, dia do Festival das Bonecas (Hine-Matsuri), também conhecido como Festival das Meninas, ramos floridos de laranjeira são expostos juntamente com as bonecas tradicionais. O íris japonês, simbolizando a força masculina, é usado no dia 5 de maio, Dia das Crianças, e o bambu é parte das decorações para o Tanabata, o Festival das Estrelas, no dia 7 de junho.
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