Ser uma gueixa é mais do que uma mera profissão. É um estilo de vida que exige total e absoluta dedicação. É aceitar acima de tudo que será uma vida de servidão, que eventualmente terá grandes recompensas. Como tudo no Japão, ser gueixa é também um do, um caminho a ser percorrido pelo resto da vida. Karyukai, "o mundo da flor e do salgueiro", é o nome que se dá ao mundo das gueixas. Cada gueixa é como uma flor e um salgueiro: bela em seu próprio modo de ser como uma flor; graciosa, flexível mas forte como um salgueiro.
Há poucas décadas atrás, era comum meninas de 8 a 14 anos serem adotadas por "okiyas" - até mesmo vendidas pelas famílias às casas, prática que foi proibida após a 2ª Guerra. Uma lei determinando que o segundo grau completo é requisito obrigatório para os que se candidatam a uma profissão no Japão, fez com que as casas de gueixa passassem a aceitar meninas só a partir dos 17 anos de idade. Se por um lado pegar crianças para treinar como gueixas tem o benefício de dispor de mais tempo para uma educação mais cuidadosa, por outro lado é óbvio que uma criança não tem como escolher se aquilo que ela está sendo educada para fazer é aquilo que ela efetivamente quer fazer pelo resto da vida. Com tantas oportunidades que existem para a mulher na moderna sociedade japonesa, a deserção de gueixas de "okiyas" que investiram em seu treinamento e sustento tornou-se relativamente freqüente. Cada gueixa que deserta deixa um prejuízo considerável para a casa que a recebeu (calcula-se que o valor mínimo gasto com a educação e quimonos de uma gueixa é de 500 mil dólares). Jovens um pouco mais maduras, que decidem tornar-se gueixas por opção, tornaram-se mais interessantes para as casas.
O treinamento básico de uma jovem gueixa dura no mínimo 5 anos. As jovens gueixas aprendizes são chamadas "maiko" (mulher da dança). Enquanto aprendizes, elas dedicarão seus dias a aulas de dança, canto, música, literatura, e na prática de uma etiqueta que mudará seus modos, gestos, até a linguagem corporal, para alcançar o padrão de elegância que se espera de uma gueixa. À noite, ela irá a festas e banquetes para entreter os convidados e observar atentamente as gueixas experientes, para aprender como agir e se portar vendo o exemplo delas. A esta prática dá-se o nome de "minarai" (aprender vendo). Em média, paga-se de 500 a mil dólares por hora por gueixa, sendo que nunca uma gueixa vai sozinha. Quando se "contrata uma gueixa", contrata-se no mínimo duas.
Ter namorados ou relacionamento sexual com clientes nesta fase está fora de questão. No passado, em tempos em que as gueixas eram virtuais escravas da casa, houve até a iniciação sexual demaikos através de "leilões de virgindade", praticados porokaasans tiranas e gananciosas. Tal prática foi abolida após a 2ª Guerra. Hoje, com direitos garantidos e várias opções de carreira profissional para as mulheres, nenhuma gueixa pode ser obrigada a permanecer numa okiya ou numa atividade contra sua vontade. Para evitar prejuízos com uma desistência e garantir a continuidade de suas okiyas, as atuais okaasansprocuram tratar bem suas maikos e geikos. Sinal dos tempos.
Duas cerimônias marcam a passagem de gueixa adolescente para gueixa mulher. Por volta dos 18 anos ocorre a cerimônia domizu-age (subida das águas), no qual uma maiko muda de penteado 5 vezes e, se quiser, perde a virgindade com um de seus clientes. Trata-se de um rito de passagem pelo qual a jovem gueixa passa a ser reconhecida como mulher, e ela passa a receber tanto propostas de casamento de clientes (sendo que ao se casar ela deixa de ser gueixa), como propostas para tornar-se amante de um deles (caso no qual ela pode tornar-se independente da casa à qual pertence mas continuar trabalhando como gueixa). Ser virgem aos 18 anos em tempos como os de hoje, nos quais adolescentes de 15 têm mais experiência no assunto que as maikos, é algo que deixa admirados os que têm na mente a idéia estereotipada da gueixa como uma expert no "Kama Sutra".
Quando suas habilidades já são consideradas suficientemente maduras, a jovem gueixa ganha o status de geiko (mulher da arte), o que atualmente ocorre entre 20 e 23 anos de idade. Enquanto maiko, a gueixa usa quimonos com cauda e obi largo em cascata nas costas, sempre com colarinho estampado ou colorido, maquiagem ultra-branca e o grande penteado com pente de casco de tartaruga, flores e pingentes metálicos. Ao se tornar umageiko, ela passa a usar colarinho branco, quimonos mais discretos e penteados mais simples, ganhando uma aparência mais adulta e mais elegante. A cerimônia na qual uma gueixa aprendiz passa a ser considerada uma gueixa experiente chama-se erikae (mudança de colarinho). Isso também implica em novas responsabilidades para a geiko em relação àokiya, bem como manter-se um exemplo para as demais gueixas e auxiliar as mais jovens em seu aprendizado. As aulas de literatura, etiqueta, música, canto, dança e arranjo floral, entretanto, continuam até os 40 anos de idade. Atualmente, aulas de inglês também fazem parte do currículo.
Esta foi uma breve descrição de como são formadas as gueixas mais refinadas e caras do Japão, como as das casas de gueixas de Gion e Pontochõ em Kyoto, e de Akasaka em Tóquio. Existem também as onsen geisha (gueixas de termas), que apesar do nome são prostitutas que adotam só a aparência e se valem da fama das gueixas. São falsas gueixas que se apresentam durante o dia em teatros baratos nas cidades turísticas onde há termas, e fazem de programas com turistas à noite sua principal fonte de renda. Usam perucas e quimonos teatrais, bons o suficiente para iludir os que nunca viram uma gueixa de verdade (que são muitos, mesmo entre os japoneses), mas nada possuem da postura e das maneiras elegantes características da verdadeira gueixa. Não se pode esperar de uma onsen geisha, portanto, a capacidade de guardar segredos ou de ser discreta, como fazem as verdadeiras gueixas.
Que o diga o ex-Primeiro-ministro Sõsuke Unõ. Em junho de 1989, ao alcançar o posto máximo que um político pode almejar na carreira no Japão, Unõ tornou-se centro de um escândalo quando sua amante gueixa foi à mídia para revelar o caso e acusá-lo de avareza e arrogância. Tamanha foi a repercussão negativa, que Unõ teve que se demitir após somente dois meses no cargo. Por ter quebrado a regra nº 1 das gueixas - o voto de segredo - a comunidade das gueixas entendeu que a amante de Unõ sequer fosse uma gueixa. Quando muito, uma prostituta que se passava por gueixa.
Gueixa ou não, o caso Unõ demonstrou que houve uma grande mudança de valores sociais no Japão, pois a relação extra-conjugal de um político com uma gueixa, algo que há muito tempo era aceito com naturalidade, deixou de sê-lo. As esposas japonesas, que hoje são também eleitoras, deixaram de ser tão complacentes e tolerantes com as amantes de seus maridos. A opinião pública masculina, por sua vez, achou que Unõ errou ao querer ter uma amante gueixa sem ter condições financeiras para tanto, ou seja, queria aparentar um status que não tinha condições de manter.
Gueixas podem se casar, mas ao se casar deixam de ser gueixas. É comum elas se casarem com filhos ou netos de seus clientes - os próprios clientes normalmente se propõem a arranjar tais uniões. Mas via de regra, o marido japonês prefere que sua esposa não trabalhe fora, dedicando-se exclusivamente ao lar. Para uma mulher criada para dançar, tocar música, e acostumada a um estilo de vida de festas e quimonos caros, o papel de esposa confinada em casa é difícil de assimilar. Por isso, ao invés do casamento, muitas gueixas preferem permanecer solteiras e viver na okiya, dedicando-se ao karyukai até a morte. Ou, com sorte, arranjar um bom e rico danna.
Danna em japonês significa "patrono", mas no meio das gueixas designa um cliente que decide assumir uma gueixa como amante exclusiva. Normalmente os clientes de gueixas costumam ser bem mais velhos que elas - na meia-idade ou já na terceira idade, pois é em tal faixa etária que os homens alcançam o sucesso pessoal e financeiro. Quando um deles quer que uma determinada gueixa seja sua amante, ele deve negociar isso com a okaasan. Além de uma quantia a título de compensação à okiya pela educação e hospedagem da gueixa (algo que envolve algumas dezenas de milhares de dólares), a okaasan faz algumas exigências pela gueixa, para garantir que ela tenha um padrão de vida condizente com o que está acostumada, como uma casa ou apartamento próprio e uma mesada. Se o danna concordar com as exigências, e a gueixa aceitá-lo e estiver satisfeita com as condições, a gueixa torna-se independente. Mamika, famosa e refinada gueixa de Gion nos anos 90, revelou em entrevista para um documentário da tevê norte-americana que além de um confortável apartamento em Kyoto e uma mesada de 8 mil dólares, seu danna ainda lhe deu um título de sócia de um exclusivo clube de golfe e permitiu que ela continuasse atuando como gueixa. Mas quem é o seu danna, ela não revelou e nem deu pistas.
Ter um danna é o ideal de uma gueixa. Sendo amante, o danna não irá morar permanentemente com ela, mas irá visitá-la de tempos em tempos, quando então ela se dedicará totalmente a ele. E se ele concordar, quando ele não estiver ela continuará a trabalhar como gueixa. Em tais casos, a gueixa costuma trabalhar em colaboração com outras gueixas de sua casa de origem apresentando-se em jantares, com a diferença de que ela é quem fará sua própria agenda e escolherá os clientes - algo que antes era feito pela okaasan. Manter segredo sobre seu danna e fidelidade a ele são considerados deveres da gueixa. Se ela faltar com tais deveres, a comunidade a isolará, o que tornará impossível que ela continue trabalhando como gueixa. Há, obviamente, muitas vantagens em ter um danna, mas o lado obscuro disso é que a gueixa pode ficar para sempre presa a alguém que não ama.
A atividade das gueixas sempre refletiu o grau de prosperidade econômica do próprio Japão. Quando os negócios vão bem, os clientes são numerosos e generosos. Quando há recessão, as agendas se esvaziam e gueixas se aposentam. Se nos anos da "bolha econômica" as gueixas tinham agenda lotada até a madrugada, atualmente há dias totalmente livres. Além de tais dificuldades, a própria atividade da gueixa hoje está ameaçada pela mudança de valores da sociedade japonesa, causada pela ocidentalização do pós-guerra.
Desde o fim da 2ª Guerra, o Japão foi reconstruído à imagem dos Estados Unidos. Tal influência propiciou rápido crescimento econômico e mudou de súbito valores e hábitos na sociedade japonesa. Em curto período, as mulheres passaram a estudar mais e a desenvolver carreiras que antes não lhes eram permitidas nos negócios e na política. Antes da guerra, na sociedade japonesa as mulheres eram subordinadas aos homens e viviam quase sempre em grupos e ambientes separados, nas escolas, no trabalho, no dia-a-dia. Parte do fascínio da gueixa estava no fato delas serem as poucas mulheres com quem homens podiam se relacionar em nível de parceria. Hoje, com oportunidades mais justas, homens e mulheres disputam os mesmos espaços e cargos, e procuram mais a parceria que a subordinação. Tais fatores, embora positivos, reduziram o apelo que a gueixa tinha.
Impulsionado pela tecnologia da internet e da telefonia móvel, o sexo no Japão virou um produto fácil, barato e oferecido em larga escala. O enjo kõsai (relacionamento financiado) é um serviço no qual estudantes colegiais se oferecem para programas, marcando encontros pelo celular. Sendo menores de idade, essas colegiais preferem usar o celular ao invés da internet, para não deixar evidências que podem ser vistas pelos pais. Na internet, além das modalidades mais corriqueiras de prostitutas, há outras que oferecem até donas de casa, "office ladies" e falsas gueixas: há de todos os feitiches para todos os gostos. Com tanta oferta no mercado do sexo, não faz sentido para os homens, principalmente os jovens, pagar uma fortuna para ter a companhia de uma gueixa e não ir automaticamente para a cama com ela. O menosprezo pela tradição também faz com que a gueixa lhes seja incompreensível e fora de moda. Os nostálgicos costumam criticar a "ocidentalização" excessiva de valores, que transforma tudo em mero comércio, e lamentam a perda da sensibilidade dos jovens para a sedução discreta e o refinamento da gueixa. Os japoneses entendem que mesmo para se deixar entreter por uma gueixa e apreciá-la, requer um certo grau de cultura do próprio cliente. A gueixa não é para qualquer um.
Talvez esteja neste ponto o valor da gueixa, e o que fará ela sobreviver: a raridade, a exclusividade, e a personificação daquilo que há de belo na alma do Japão. Ao longo dos séculos, as gueixas sobreviveram à mudança de governos e às guerras graças à dedicação de maikos e geikos determinadas, e à capacidade de se adaptarem a mudanças sem perder sua identidade. Dizer que elas estão ultrapassadas é um exagero. As gueixas continuam sendo um parâmetro de talento, elegância, beleza e caráter feminino na sociedade japonesa - senão não haveriam tantas imitadoras. Considere-se que mesmo no meio artístico atual, as cantoras do popular estilo enka procuram adotar o visual e os modos elegantes das gueixas. Dificuldades existem, mas certamente há futuro para a tradição da gueixa.
quero colocar um lupanar, como que eu fasso
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